sábado, 7 de agosto de 2010

Querido diário

Hoje eu tive um dia atípico pois decidi ocupar minha mente ociosa aprendendo um novo idioma. Há um certo tempo atrás, logo após certas atribulações de minha vida, decidi que iniciaria um novo tempo para mim. Mudei alguns hábitos, adotei novas práticas, mudei móveis de lugar, reformei alguns pensamentos, perdoei pessoas, fui perdoada, tentei novas receitas, novas experiências, novos estilos. Até me policiei mais e comecei a agir de forma diferente com algumas pessoas. Me estressei menos, respirei mais. Disse muita coisa que guardava, ouvi o que queria e até o que não queria, mas relevei tudo pois afinal de contas estava cultivando minha paz interior visando a minha mudança e evolução pessoal.
Aí hoje... Acordei assustada as 06:30h com o celular vibrando na minha orelha e atordoadamente atendi minha mãe que muito delicadamente gritou do outro lado da linha que era pra eu levantar da cama pois já estava atrasada pra aula de francês. Assim o fiz, bem rapidamente e segui pro local do curso. Lá chegando, soube agradavelmente que naquele horário estava ocorrendo a aula de inglês e que o francês era somente as 14h. E para melhorar a situação o professor me recebeu numa sala cheia de crianças que não paravam de gritar um só segundo. Lindas crianças, querido diário. Lindas cordas vocais. Garanto que seus pais nem compraram vuvuzelas nessa Copa.
Saí da sala e no caminho fiquei pensando na secretária que me falou que o curso começava as 08h. Hoje a noite irei rezar para que uma daquelas crianças seja filho dela e se não for, que seu rebento assim se torne.
Como a agenda do meu sábado tinha sofrido essa brusca mudança resolvi sair em busca de comprar um dicionário de francês porque, sabe diário, eu não sei falar quase nada além de Voulez vouz coucher avec moi e sei que isso não é nada bonito de se ouvir de uma moça educada, pura e casta como eu numa conversa formal, a não ser que eu esteja de tailleur justinho, salto agulha, espartilho e máscara de mulher gato.
Com meu pai estressado do lado o que já ía ser cansativo, se tornou uma via crucis com direito a tortura no estilo Hannibal Lecter. Ainda mais quando, cansada, estourada, a ponto de partir pras vias de fato em qualquer ser vivo que ousasse me contrariar, já no 7ª estabelecimento comercial que entrei em busca do bendito dicionário, resolvi comprar umas maquiagens que vi numa vitrine. Mas a fila do caixa pra pagar foi um verdadeiro inferno. Tudo porque tinha uma infinidade de idosos na minha frente e alguns deles receberam a pensão do INSS em moedas, só pode. Depois de 30 minutos numa fila, consegui pagar e quando estava saindo da loja, já na entrada do estacionamento papai me esperava com uma expressão corporal/facial/comportamental que podia apenas sonhar em ter aquele controle remoto do Adam Sandler em “Click” pra avançar o discurso regado a reclamações sobre calor, cansaço e engarrafamento.
Voltei pra casa sem o dicionário. Nunca pensei que fosse tão ruim para encontrar um simples dicionário de francês. Incrível isso! Deve ser porque aqui nessas bandas, o povo acha que o “avoir” (verbo ter) com pronúncia do “oi” como “uá” é o que o urubu faz.
Mas a aula em si foi muito produtiva. Tá certo que eu quase nem lembro mais das regras gramaticais, mas até que deu pra entender boa parte das coisas. Aprender um novo idioma é motivador pra mim, mas ter que relembrar minhas antigas aulas de gramática faz eu lembrar do meu tempo de colégio e não guardo as melhores lembranças dessa época. E apesar de ter sentado numa cadeira na parede há duas fileiras de distância do resto da turma e sentir que todo mundo me olhava como se eu fosse a Carrie a estranha, posso dizer que o ponto alto da aula foi quando eu enfim aprendi a pronúncia correta de “Vous voulez”.
No fim da aula fiz até um novo amiguinho. Ele tem cabelos brancos e cinzas, bigode branco, olhos verdes bem claros. Eu o chamei de Ted e ele é esbelto, carinhoso, afetuoso e lindo. E sabe o que é melhor? Ele ficou me fazendo companhia durante os 30 minutos que fiquei mofando esperando papai resolver ir me buscar. Ele ficou lá, se esfregando no meu braço, fazendo aquele som inconfundível que eu sempre adorei ouvir porque ele, sem sombra de dúvidas, ele é verdadeiro. Ele fez aquele barulinho durante todo o tempo que eu tava dando carinho pra ele e quando eu fui embora, ele me olhou tristonho com aqueles olhos enormes, verdes e tristonhos e disse: Miau.
É querido diário, são novos tempos porém velhos hábitos. Ainda sou a mesma Lenna introspectiva, solitária e antissocial e de mudança mesmo só a reforma gramatical. Hunf!
Arrevoir, mon cheri.