sábado, 21 de março de 2009

Só mais cinco minutinhos...

Pessoas falam muito. Meu professor de antropologia diz que a linguagem é a riqueza mais importante na cultura de uma sociedade. O fato é que pessoas falam muito. As vezes demais!

Eu falo muito. Freud, incorporado na minha professora de Psicologia forense, diz que eu talvez tenha me fixado na fase oral. Sim, aquela história que ninguém entende de que o bebê já tem prazer desde a amamentação. E ela também disse que pessoas fixadas na fase oral utilizam muito a boca. Mastigam coisas o tempo todo. Chicletes, tampas de caneta, canudinhos. Comem na hora do nervosismo, falam muito. Levam tudo à boca. Ok, sem piadinhas! Acho que eu realmente me fixei na fase oral que o Sigmund Freud inventou.

Mas as vezes eu gosto de ficar calada e barulho excessivo me irrita nessas horas. Isso é notório quando eu acordo. Preciso de 30 minutos pra entender e aceitar que eu estou acordada. E realmente, não adianta. Eu não falo com ninguém nesse lapso tempo. Mas eu não consigo entender que mesmo morando há 20 anos comigo, a minha mãe ainda insista em tentar manter um diálogo comigo nessa meia hora. É muita perseverança numa pessoa só.

Eu to lá, aninhada nas minhas cobertas, são 7h da manhã. Deus do céu, eu fui dormir às 4h, 5h e ela abre a minha porta pior do que um furacão, vai fazendo barulho, mexendo nas coisas. Incrível que ela adora minhas maquiagens. Eu já perdi a conta de quantos estojos, delineadores, blushs, sombras e batons eu já comprei pra ela só pra evitar isso. Mas ela insiste em abrir a minha porta no amanhecer sempre em busca de uma tal cor de que ela nunca acha nas maquiagens dela. Isso quando ela não faz pior: Quer uma sandália, um sapato, que geralmente está em uma caixa que ela vai passar um tempão procurando e isso vai ser repleto de barulhos e reclamações enquanto ela não acha. Aí ela martiriza ainda mais. Resolve calçar a sandália ali mesmo e ver se combina com o resto da roupa. E usa meu espelho e se maqueia ali mesmo. Diz que a luz é melhor do que a do banheiro. Tá, eu me mudo. Vou dormir no banheiro, então! Vou ter sossego lá? Pode ficar com meu quarto e usá-lo como closet! E quando eu acho que tá tudo resolvido, ela me pergunta se tá bom. Eu de olhos cerrados só resmungo “Umhum”. E aí ela começa a falar sobre alguma coisa que ela esqueceu de contar no jantar da noite anterior. E me dá as ordens do dia. Cuidar da casa, limpar, cozinhar, buscar alguma coisa, ligar pra não sei quem. Eu já tentei, coloquei um caderninho na mesa da sala. Ela podia usá-lo. Assim como colocar as maquiagens e os sapatos no armário do banheiro. Não deu certo, é claro. As poucos tudo foi voltando aos meus aposentos. Murphy me ama. Sem dúvidas!

Ok, eu consigo. Eu fui socializada. Eu não vou mandar a minha mãe à merda, por mais que ela esteja me enchendo o saco, junto com o sol que se espreme pelas lâminas da minha persiana que ela abriu quando entrou no meu quarto. E a TV também já foi ligada. O repórter tá lá falando sobre as notícias trágicas da noite anterior. Graças a Deus, ela saiu. Beleza, eu vou dormir! Começo a sentir uma paz... Pronto. Ela tá gritando pra vizinha do outro lado da alameda. O bebê dela é lindo. E ele tá começando a falar. Menino, cala a boca! Quando tu crescer vais sentir falta de ficar de bico calado.

E mamãe tá lá aos berros “Oi meu amor, bom diiiiiia!” “Lindo! Como você tá? Dormiu bem?”. Com certeza ele dormiu. Eu é que não dormi! “Olha ele tá aprendendo a dizer tia Sandra. É sou eu, a tia Sandra. Titiiiiaaaaaa Saaaaandraaaaa. Que lindo!”. É mãe, daqui a pouco ele já tá até dando palestra de desenvolvimento infantil!

Aí ela começa a conversar com o meu pai. Mas eles não conversam. Eles berram! Deus amado, e como berram! Mamãe é filha de uma espanhola e papai de uma portuguesa. Mas eu posso jurar de pé junto que eles na verdade tem descendência italiana! Ô gente pra falar alto o tempo todo!

Oi, dá licença, eu posso dormir só mais um pouquinho?

Não! Cristo amado, lá vem ela de volta. Agora ela pegou um perfume meu que ela adora! Eu gostava dele, mas já dei pra ela. E ela ainda deixa no meu quarto. Assim como o bendito perfume que eu dei no Natal depois de muitas reclamações e que eu dei meus preciosos R$200 na esperança desse dinheiro comprar a minha tranqüilidade matinal. Ledo engano. Porque ela não leva os perfumes pro banheiro? Pro quarto dela? Porque, meu Deus? Por anos eu agradeci por não ter irmãos e ter que dividir meu quarto com alguém. Mas crescer e começar a dividir as coisas com a mãe, eu acho que é pior. Pelo menos se fosse uma irmã eu podia mandar à merda. Mas é a minha mãe, caceta! O que eu faço? Enfio a cabeça embaixo do travesseiro. É uma forma mais segura.

E aí depois que ela já fez tudo isso, falou que nem uma matraca e eu só fiz “Umhum” pra todas as respostas sejam negativas ou positivas, ela me dá um beijo e me deseja bom dia.

Ah não. Espera. Antes disso eu já ouvi um discurso de uma hora sobre eu ser muito mal-humorada. Culpe a TPM, culpe a insônia, culpe os professores de antropologia e psicologia, assuma a sua culpa também. Eu já pedi, já implorei, já avisei. Meia hora. Só isso! Depois dos benditos 30 minutos, tudo é mais seguro. Juro!

Mas o fato é que quando ela não me dá um beijo, eu sinto falta. Fazer o quê. Mãe é mãe. Ela me deu cromossomos, leite, comida, carinho, remédio, apoio. É mãe, afinal. E com tudo, eu já me acostumei com ela e me acostumei a amá-la mesmo ela dando uma de Regina Volpato no meu quarto de manhã.

E então nada mais me resta. Tenho de levantar da cama e encarar o chuveiro. E lá vou eu, com a cara inchada, me entupir de café pra estudar um monte de coisas pra falar. Por quê? Porque o poder de uma advogada está na sua argumentação, na sua retórica, na sua oratória. Ou seja, eu serei paga pra falar que nem uma matraca. É mãe, obrigada pela carga genética, nessa hora!

Pessoas falam demais. O Freud fala demais. Minha mãe fala demais.Minha família fala demais. Meus professores falam demais. Eu falo demais. O repórter fala demais. Meus vizinhos falam demais. E eu só queria dormir.

Porra Sigmund, não Freud, doido!