domingo, 28 de novembro de 2010

Cicatrizes

A maioria das pessoas não gostam de ter cicatrizes e sentem vergonhas em mostrá-las. Escondem sob roupas, maquiagens ou tatuagens.

Alguns pontos da síntese inflamam, a pele as vezes não convalesce como o esperado, a linha reta pode entortar e a cicatriz toma uma forma indefinida. Ou ainda, num processo biológico, um caso de quelóide pode agravar ainda mais a anatomia de um processo cicatricial.

Minhas cicatrizes são grandes e irregulares, uma em cada perna. Estão longe de serem cicatrizes delicadas. São agressivas aos olhos alheios. Causam incômodo e fazem as pessoas terem muita curiosidade, não conseguirem se segurar e acabar perguntando o que eu fiz para ter aquelas marcas enormes nas minhas pernas. Quando conto que são advindas de cirurgias para correção de um problema nos joelhos, sempre ouço "Poxa, mas tão nova". Sim, bem nova. Antes mesmo dos 30 anos que é para não ter problemas de desmineralização óssea ou antes mesmo de me ocupar com qualquer outra coisa que não seja a minha vida e a minha saúde. E quando dizem para eu procurar um cirurgião plástico para "ajeitar o problema" eu agradeço a sugestão e digo que estou bem do jeito que estou.

Eu amo as minhas cicatrizes. Elas são bem mais do que simples incisões feitas por um bisturi e depois suturadas. Há muito mais por trás delas. Há uma vida toda que foi intensamente vivida e bem aproveitada. Tem todos os planos que fiz e desfiz por inúmeras razões. Tem todas as experiências que acumulei durante minha vida toda. Tem sonhos, pesadelos, sede e fome de aspirações. Tem viagens realizadas, pessoas que conheci e sempre lembrarei e também aquelas que me tomam um esforço diário para tentar esquecê-las. Tem amores e ódios. Amizades, paixões, frustrações e orgulhos. Tem acontecimentos engraçados, tristes, tensos e até bizarros. Tem os idiomas que eu falo, o conhecimento que adquiri, as técnicas de defesa que aprendi ao lidar com todo tipo de gente. Tem sangue, choro, garra, esperança, suor e superação. Tem esforço - e algumas vezes também - cansaço. Mas se tem uma coisa que não existe em nenhum dos 33 pontos das suturas é desistência. Com toda dificuldade, com toda dor, com todo o ferimento, a persistência foi simplesmente a linha que sintetizou a pele novamente.

Sou uma pessoa ímpar. Tenho plena consciência disso. E diferente das pessoas que se envergonham, eu tenho muito, mas muito orgulho mesmo, das minhas cicatrizes que não são nada perfeitinhas e delicadas, bem pelo contrário, são tortas. São hardcore. São punk. São minhas. É a minha história que elas escreveram e também, claro, reescreveram.
Sempre que posso uso shorts. Tenho comprado vestidos cada vez mais curtos. Quero que as pessoas vejam minhas cicatrizes e se perguntem como eu posso ter aguentado a dor que elas causaram.
Como aguentei, nem sei. Mas sei que aguentei e ponto. Sou mais forte do que supunha. E aprendi mais coisas do que saber como fazer a assepsia de uma sutura.

Já pensei em ampliar uma foto delas e colocar como um quadro no meu quarto para expressar todo o meu afeto por essas marcas que aqui existem e que são muito mais do que sinais de que tive meus fêmures fraturados em sacrifício para consertar minha estrutura óssea. Quero colocar como wallpaper no meu celular, nos meus computadores ou fazer uma estampa de camisa com a foto delas. Como se fossem troféus de uma importantíssima competição entre eu e mim mesma em que eu fui a campeã. Apenas porque elas mostram que tive dificuldades, limitações, provações e passei por traumas físicos e psicológicos mas me recuperei. Que a dor diminuiu, problemas foram consertados e embora sequelas tenham ficado, mantive a cabeça erguida, reuni coragem e encarei de frente uma coisa que várias outras pessoas protelam para fazer e se submetem a uma vida de analgésicos para disfarçar a dor.

Uma cicatriz existe pra mostrar que um sacrifício foi vencido com sucesso pois caso contrário, no lugar da cicatriz ainda existiria uma enorme ferida aberta causando uma dor contínua e deveras incômoda.