sexta-feira, 3 de julho de 2009

Insight

Há três anos eu fazia terapia.
Porque eu sentia que precisava da ajuda de um profissional que me ajudasse a "consertar" a minha cabeça que andava meio confusa.
Depois de um ano e alguns meses, tive que interromper meu tratamento por que minha terapeuta mudou de cidade.

Passei os últimos dois anos, achando que não precisava mais de terapia, nem dos remédios nem nada do tratamento pro meu transtorno bipolar.
Ledo engano.
A pior parte de um tratamento é quando você não tem o insight. Ou seja, o que a psicologia define como percepção.
Então você está em negação, que Freud explica com um dos mecanismos de defesa do nosso aparelho psíquico.
Algo que te faz mal, te causa dor. Então você não aceita que aquilo esteja acontecendo.
E isso funciona, por um lapso de tempo.
Mas quando a negação acaba você tem a real noção da dimensão daquele problema, e a dor parece triplicar.
É atormentador quando isto ocorre.

Então, depois de três anos de negação, eu caí na real e voltei pra terapia.
Mas mesmo mantendo a rotina de psicólogos desde a pré-escola, eu nunca tinha entendido qual o real sentido de ficar uma hora olhando pra cara de uma pessoa desconhecida e contar o que está se passando comigo.
Achava que eu podia fazer isso com qualquer amigo, com a minha mãe, com a minha cadela.
Afinal, eu só precisava de um ouvido que aturasse ouvir os acontecimentos que de alguma forma me abalavam.
Mas hoje, por motivos de força maior mesmo que eu nem tenha conseguido me consultar com a minha terapeuta, eu tive o meu insight e enfim percebi a função da psicoterapia.

Vivemos em um mundo em que a conversa é cada vez menos valorizada. Deixa-se tudo muito subentendido.
Falo isso por experiência própria.
Eu tenho muita dificuldade em conversar com as pessoas.
Falo muito. Sobre política, economia, justiça, psicologia, sociedade, culinária, ouço problemas de amigos, aconselho, dou dicas de beleza... Mas conversar tem uma conotação mais profunda.
Mesmo o amigo mais íntimo, mesmo a amiga pra quem contei da minha primeira vez, do meu primeiro piercing, mesmo o amigo pra quem liguei e pedi abrigo quando saí de casa, mesmo todos eles sabendo muito de mim, definitivamente, não sabem tudo de mim.
Tem coisas que nem eu mesma sei colocar pra fora.
Porque apesar de falar muito, eu não sei expressar fielmente.
E aí é que entra a terapia. Pra ajudar a descobrir como me descobrir. Como me conhecer melhor.
E como ninguém é uma ilha, como ninguém consegue viver inteiramente só, eu precisei de pessoas estranhas, que não me julgariam, nem me repreenderiam, pra contar como eu me sinto a respeito disso.
Aliás, eu achava uma palhaçada pagar alguém que fica o tempo todo me perguntando "Como você se sente a respeito disso?" cada vez que eu contava um acontecimento diferente.
Sim, é preciso ficar repetindo a mesma pergunta para que eu saiba e diga como me sinto e como saber lidar com aquilo.
Quero respostas, e para tê-las preciso formular perguntas. Então preciso saber como isso afeta minha mente e minha vida para saber como proceder.

E por não conseguir expressar meus sentimentos, é que agora que acabou a minha negação e eu tive meu insight, me sinto completamente triste e perdida no mundo quando lembro que estou perdendo uma pessoa da qual eu me esqueci de dizer de fato, que a amava e sempre a amei profundamente. Tudo pela péssima mania de deixar as coisas subentendidas.

Eu simplesmente deixei nas entrelinhas por 20 anos o quanto eu amava a minha avó, e agora no seu leito de morte eu percebi que não lembrei de dizer aquelas três palavrinhas de peso enorme e vasto significado.

Que pena não ter o poder de voltar no tempo!

domingo, 14 de junho de 2009

Eu não sei o que sentir...

Quando se tem 20 anos de idade, você vive sob a expectativa de que cada manhã é um dia a mais pra ser vivido.
Quando se tem 80 anos, a perspectiva é que é um dia a menos no tempo que resta a ser vivido na terra.

Dizem que só damos valor às pessoas e coisas quando as perdemos, ou pelo menos, quando sabemos que estamos prestes a perder.
O fato é que quando sabemos que vamos perder uma pessoa querida, sabemos que é a lei da vida. Mas por mais que você seja uma rocha inabalável, uma hora você vai ruir. E quando essa hora chega você chora, surta, se questiona, questiona Deus, questiona a medicina.
Nascemos, crescemos e morremos. Essa é a lei divina.
Eu vivo dizendo que Deus empresta as pessoas umas às outras. Somos todos Dele. Mas aqueles com quem mantemos uma relação socioafetiva são mandados à terra e depois de cumprida sua missão, tem de voltar a Ele. Nós também somos assim.
Tenho pensado na morte. No poder desestruturante que ela exerce sobre mim, sobre nós, sobre as pessoas das minhas relações socioafetivas. Tenho pensado até na minha morte. Não de um jeito que sempre pensei.
Medo não é a palavra mais próxima. Ou talvez seja. Quando temos medo é porque ainda temos algo a perder. Ouvi isso num episódio de Grey's Anatomy e isso tá na minha mente pelas últimas 24h.
Mas tenho pensado que mesmo que você esteja com 20 ou 80 anos, e seja a morte um fato esperado ou simplesmente uma surpresa desagradável, de uma forma ou outra, a perda que os entes queridos sentem é exclusivamente ligada ao fato de que todo costume retirado de súbito é extremamente doloroso.
É difícil de repente, estar num ambiente que outrora foi utilizado pela pessoa que agora não está mais em nosso convívio. Essa convivência pode ter durado 80 ou 20 anos, mas é dolorosa do mesmo jeito.
E é complicado viver mais 20 anos ou viver até os 80 sempre com aquela pontadinha de dor no coração cada vez que você lembra o porquê dessa saudade doer tanto.
Dia desses, li que saudade é o amor que fica. E se fica é porque foi verdadeiro. Verdadeiro o bastante pra ter sobrevivido ao tempo.
“Saudade dói mas não mata”. Eu também vivia dizendo isso. Até hoje.
Pode até não matar, mas com certeza nos mantém agonizando até o fim dos nossos dias.

Acho que agora sim, estou com medo de sentir saudades...

sábado, 23 de maio de 2009

Craniotomia jornalística

Mais uma vez, eu deveria estar estudando e escrevendo alguma coisa de útil pro meu Projeto Interdisciplinar de Psicologia e DAF no qual deveria escrever sobre Violência e Terrorismo em relação à Ética do Advogado.

Fiquei horas olhando pra minha tela. Escrevi, apaguei, escrevi, apaguei, escrevi.
Não, não tava bom. Apaguei de novo.
Eu simplesmente adoro escrever, mas esses tempos eu não tô rendendo muita coisa.

Enfim, depois de assistir uma aula de Psicologia Forense e debater a questão da Violência, das causas de agressão e avaliar os dados estatísticos da violência no Brasil e no mundo, pensei eu que poderia escrever algo. Só que a cabeça realmente não tá ajudando muito.

Mas vou dizer o que eu acho da violência hoje em dia.
Divergindo fervorosamente da minha professora de Psicologia, acredito sim, que todos nascemos com um potencial agressivo. Mas as nossas experiências de vida é que vão definir a que ponto esse potencial irá evoluir.
A prova disso é que tem aqueles dias que o sentido de "Que vontade de matar fulano" sai um pouco do enredo literal e assume uma conotação um pouco mais preocupante.
Aula de Psicologia grátis: Segundo Freud, nosso aparelho psíquico é estruturado em 3 partes. O ID, o Ego e o Superego.

O ID é regido pelo princípio da satisfação imediata do prazer.
O Superego é responsável pela censura extrema dos nossos desejos, pois é regido pelo princípio da realidade.
Já o Ego assume a postura de mediador entre os dois supracitados e busca resolver o impasse existente quando há o confronto entre o desejo e a repreensão de não atendê-lo.

A agressão é a ação humana cercada de intencionalidade de ferir, magoar ou lesar outrem.


Enfim, a explicação psico-orgânica da violência está no fato de que então o indivíduo agressor tem problema na harmonia entre as 3 estruturas do seu aparelho psíquico.
Mas então como explicar a propagação da violência? Mídia!
A mídia e o seu sensacionalismo barato.

Falando exclusivamente da imprensa na minha cidade, posso dizer que perdem muito tempo pensando em ganhar cada vez mais dinheiro e se esquecem de divulgar coisas mais interessantes que de fato ajudariam a manter a sociedade devidamente informada.
Não é segredo pra ninguém que os cadernos policias de jornais paraenses mostram a verdade nua e crua dos crimes ocorridos nesta região.
E não é incomum ver fotografias mostrando vísceras sobre calçadas, ou corpos envoltos em poças de sangue, sempre com a multidão por perto feito urubu sobrevoando a carniça.
Eu sei que muitos casos ali retratados são de meliantes que morreram por acertos de contas com a polícia, a sociedade ou por outros meliantes. E lógico que eu defendo a dignidade deles, afinal, são pessoas detentoras de direitos e deveres como qualquer outra, mas em algum momento deturparam suas condutas e se tornaram uma ameaça a boa convivência social.
Então porque um jornal pode estampar a imagem de uma pessoa como se fosse uma coisa banal? Onde fica o respeito com os mortos? Ou só porque a capacidade civil se encerra com a morte, acha-se no direito de veicular a imagem sem respeitar a memória da família?
E aí então que a violência ganha forças e se enraíza na sociedade.

Dados antropológicos revelam que não exista nenhuma sociedade no mundo que esteja livre da violência. Mas como temos sensibilidades jurídicas diferentes, em muitas o conceito de crime varia. Em algumas sociedades africanas é prática corriqueira extirpar o clitóris das mulheres que atingem a maturação sexual para que as mesmas não tenham nenhum um tipo de prazer no ato sexual que pra eles é visto com o intuito único de procriação.
Já em algumas sociedades asiáticas, o filho varão é superestimado, o que resulta na morte de inocentes meninas, depois ou até mesmo antes do fim da gestação.
E aqui na nossa cultura? Aborto e infanticídio são crimes, assim como a multilação clitoriana.
Mas somos diferentes, somos multiculturais.

E deveríamos nos sentir os melhores? Não!
Em alguns pontos, somos mais humanos, já que vivemos num Estado Democrático de Direito e portanto, primamos pelo bem comum.
Mas por outro lado, essa democracia saiu do controle de nossas mãos, representadas pelas mãos dos nossos governantes.
Fala-se em voltar à época da Ditadura. Mas não nos esqueçamos que a Ditadura repreendia o direito à informação, expressão e desenvolvimento intelecto-cultural das pessoas. Direitos estes, previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na nossa Constituição Federal.

O fato é que a mídia acaba sendo uma faca de dois gumes. Ela passa sim muita informação útil. Tanto que quando uma nova lei que beneficia uma grande parte da sociedade é aprovada e entra em vigor, ela é amplamente divulgada, assim como campanhas de conscientização de cidadania.
Mas não podemos fazer vista grossa e ignorar que os jornais falam e mostram mais violência do que boas notícias.
Eu inclusive já até escrevi sobre o reality show dos horrores que a Globo sempre transmite. E ampliando mais o olhar, até os desenhos animados assistidos por nossas crianças impõe a violência desde cedo. Estamos acostumados com os super-heróis que matam e ficam impunes porque agem em defesa dos oprimidos. Desde quando é certo ensinar a uma criança que é aceitável que ela faça justiça com suas próprias mãos?
Agora que eu cresci e entrei pro mundo jurídico, não consigo ver nada além de homicídios qualificados nesses casos hipotéticos. Não cabe nem legítima defesa na maioria.
E por falar em crianças, eu não gosto de qualquer uma. Na verdade, só das que considero meus sobrinhos. Mas as que começam sua carreira artística precocemente na TV me dão nos nervos. Por serem fabricadas por adultos que as utilizam somente com intuito de ganhar dinheiro e assim, interrompendo a infância normal desta criatura que certamente crescerá e provavelmente se tornará um adolescente problemático. Exemplos disso são Ashley e Mary Kate Olsen e Macaulay Culkin.
Mas no último domingo aconteceu a coisa mais ridícula que eu já vi na TV brasileira em relação a esses astros infantis.
Eu não suporto a Maísa. Mas quem acompanhou o programa vespertino que ela faz ao lado do Silvio Santos e tem o mínimo de compaixão pela existência alheia também deve ter achado repugnante o que aconteceu. Eu particularmente não assisto nem TV no domingo. Mas como estava com a minha avó que é telespectadora fiel da programação do SBT acabei vendo. Aquilo ali foi uma agressão gratuita.
Pra quem pegou o bonde andando, esta criança se feriu ao bater a cabeça no suporte de uma câmera. A produção do programa em vez de procurar retirar a menina do palco e lhe prestar o devido socorro para avaliar se ela não tinha ferimentos, simplesmente a manteve no ar, sob choros, gritos e lágrimas da menor e as gargalhadas fervorosas da platéia, do apresentador e da equipe do programa.
Se não me falha a memória, ela não deve sequer contar mais do que 7 anos de idade. O que de acordo com as nossas leis que originam o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) menor não pode nem trabalhar. E a situação se complica ainda mais porque ela foi exposta em cadeia nacional quando chorava pedindo por ajuda.
E se fala em uma mídia que respeita a sociedade? É esse tipo de respeito que nos ofertam?
Reitero que eu não gosto dela, mas mesmo assim, saio em favor do ser indefeso ali naquele circo dos horrores e pensei que se fosse minha filha, não havia contrato milionário ou fama no mundo que viesse a compensar o desrespeito a que ela foi submetida.
Devemos pensar mais a respeito da relação entre a mídia e a violência. Há que se tomar medidas mais enérgicas que proíbam que toda essa carnificina nos seja enfiada goela abaixo. Mal ligamos a televisão ou lemos o jornal de manhã cedo e já nos deparamos com a violência escancarada a nossa frente. Chega a ser indigesto ver isso durante o café da manhã.

É isso que eu penso sobre a violência. Não é só colocar mais policias na rua, construir mais cadeias, reformar o Código Penal e nem só melhorar a educação. É um conjunto de políticas públicas que vão além dessas mudanças. Há que se mudar também a educação jornalística de hoje. Nada contra jornalistas, até porque tenho uma grande amiga, jornalista, blogueira e mãe exemplar, Mari Camata (http://alamaryjanne.blogspot.com) que manda muito bem no seu trabalho sem precisar apelar para o sensacionalismo.

Agora, bem que isso podia prestar pro meu Projeto, mas deixa pra lá. Pelo menos desabafei como jovem, como feminista, como advogada e sobretudo como ser humano.

domingo, 5 de abril de 2009

Fly, butterfly...

05:15h da manhã. Geralmente durmo a essa hora todos os dias. Olhei pro lado, vi que ela dormia profundamente. Era hora de sair dali antes de fazer mais besteiras.

Eu já tinha feito a minha parte. Agora ao acordar ela não choraria na minha frente. Já que ela nunca se sentiu confortável em fazer isso.


Sempre fui um cara meio complicado. As vezes eu queria, as vezes eu não queria.

Mas não dava pra prever. Nunca dava. Nem eu me previa. Mas ela sempre preveu...


Tinha tempos que eu não a via. Mas essa última semana, a saudade bateu. De uma forma inexplicável. Era uma saudade urgente. Eu precisava vê-la, conversar, beijar aquela boca que eu tava tão acostumado a beijar. E tentar consertar o meu erro.

Liguei pra ela numa quarta-feira. Tava assistindo um filme que ela adora. Liguei como quem não quer nada. Mas eu queria. Queria ela.


- Oi.

- E aí menina, como você tá? Te atrapalho ou podes falar?

- Não, tô só lendo umas coisas aqui de um processo. Trabalho.

- Sempre o trabalho, né?

- Dizem que ele dignifica o homem...

- Mas também cansa!


Ela riu. Eu adorava ver e ouvir esse riso. Nenhuma mulher tem um sorriso igual. É incrível.


- Eu tava assistindo O Melhor amigo da noiva. Lembrei de ti.

- Eu já vi esse filme 9 vezes!

- Não eram 5?

- Bom, a gente não se fala a algum tempo. Algumas coisas mudaram.

- Como o teu cabelo, né? Eu vi um dia desses que ele tá mais claro.

- Andou fuçando as fotos do meu orkut?

- Te vi atravessando a rua perto do parque.

- E porque não me chamou?

- Estavas acompanhada de um cara. Entrando no carro com ele. Não quis atrapalhar.

- Que isso! Era só um amigo do escritório.

- Não disse o que ele era, não precisa se justificar. Eu não tô tentando controlar tua vida.

- E e-eu também não disse que.. que estavas...


Eu senti um certo nervosismo na voz dela. Quando a gente namorava isso me deixava tranqüilo. Era sinal de que eu comandava a situação. Agora me apavora. Ela tem razão, não foi só o cabelo que mudou. Mudou o corpo, a voz, as atitudes. Ela mudou. Ela foi. Eu fiquei. Me sinto um nada quando eu percebo isso. Esse nervosismo, ela gagueja. Mas gagueja não porque ela tá nervosa em falar comigo sobre a vida dela. Mas porque ela quer esconder a verdade. Que ela tá melhor sem mim.

Nunca quis controlar sua vida. Mas fazia isso involuntariamente. A pressionei a continuar a faculdade que ela não gostava. Coagi a não jogar tudo por alto por causa do seu maior sonho. Eu fiz ela pintar o cabelo da cor que eu gostava e gostar das coisas que eu gostava. Ela não fez viagens por minha causa, nem novos amigos. Aliás, ela desfez algumas antigas amizades por minha culpa. Eu a fiz ser um clone meu. E ela foi. Mas o tempo passou e aquilo me cansou. Ela era muito eu. Eu precisava que ela fosse ela.


- Me desculpa. Olha... Eu só liguei porque pensei que a gente podia sair qualquer dia desses. Colocar o papo em dia...

- Não sei, eu ando muito cheia de trabalho e de estudo da pós. O escritório tá mais cheio de clientes a cada dia. Quase não tenho tempo livre!

- Que legal, amor...

- Oi?

- Digo, que legal, Anne! O escritório fazendo sucesso...

- Pois é...


Droga. Ela percebeu que eu tô tentando me aproximar. Maldito hábito. Ela costumava ser o meu amor. E eu era o amor dela. E agora? O que somos um para o outro?


- E então? Podemos jantar qualquer dia desses?

- Vou ver um dia livre, porque realmente ando muito atarefada.

- Qual é, Anne. É só um tempo pra um velho amigo!

- Tu não és meu amigo, e sabes disso.

- Ok, então um velho conhecido.

- Tudo bem. Acho que pode ser sexta, então. 20h?

- Por mim tá ótimo!

- Onde?

- Que tal comermos sushi? Tu adoras sushi...

- Tá. Tudo bem...


Na quarta mal dormi. Depois de desligar o telefone, abri a gaveta e tirei de dentro de uma caixa uma blusa dela. Ela nem lembra que essa blusa tá aqui. Guardei depois que a gente terminou. Pensei em jogar fora, devolver, mas deixei lá. O perfume dela também ficou aqui. Meio vidro. As vezes eu borrifo ele sobre um travesseiro e chego até a sonhar com ela. Na caixa eu também guardei um par de brincos que tinha dado de presente de namorados e que ela devolveu dizendo que por serem caros eu podia dar pra outra, um monte de bilhetes com declarações de amor que ela deixava na minha mesa, fotos nossas, e um chaveiro de uma girafa de pelúcia. Tudo isso me lembrava ela. Só ela. Era o único pedaço dela que ainda me fazia acessível. Porque quando ela partiu da minha vida, levou também o pedaço do seu coração que eu achava que tinha. E devolveu o pedaço do meu. Preferia que ela tivesse devolvido só os brincos.

Na quinta, não conseguia nem trabalhar direito. Ficava olhando a foto dela no meu celular. Só tínhamos 3 fotos nos beijando. Ela dizia que não fazia caso. Só tiramos essas porque em uma eu tirei de surpresa e nas outras duas, eu insisti muito.


Enfim, chegou a sexta.

Liguei mais cedo perguntando se poderia ir buscá-la em casa. Depois de muito insistir, ela aceitou. Cheguei as 20:25h. Liguei avisando que estava esperando na frente do prédio.

Ela desceu já reclamando do atraso e dizendo que eu não perdia o velho costume de me atrasar.

E tinha razão. Não eram só aqueles 25 minutos que eu me atrasei. Me atrasei os 5 anos que a gente passou junto. Me atrasei muito.


Fomos a um restaurante que sempre gostamos. Serviam um sushi que ela adorava e que eu aprendi a gostar.

O jantar foi bom, ela me contou casos engraçados e bizarros que aconteciam nas suas audiências. Me falou sobre os planos de prestar concursos, de cursar novos idiomas. Falou que terminava a pós em dois meses, que tinha se formado no espanhol e havia começado o francês e o italiano. Senti uma frustração que nem quis dizer que abandonei o inglês. Nós dois rindo como dois bons amigos.

Mas eu não conseguia parar de pensar em beijar aquela boca com batom vermelho. Aliás, porque ela usa batom vermelho agora? E que maquiagem escura é essa? Pelo que eu me lembre ela sempre usou maquiagem clara. E batom nem pensar. Só brilho labial.

Como ela tá linda. Tá sexy. Quando a gente namorava eu nunca gostei que ela parecesse sexy pra ninguém.

E esse vestido roxo e tomara-que-caia? Ela sempre usou vestido de mangas.

Argolas douradas? Desde quando ela usa argolas?

E porque o cabelo dela tá solto? Ela sempre prendia o cabelo. E pior que tá lindo, natural desse jeito. Ela não pinta nem faz mais chapinha! Como essa mulher pode ter mudado tanto em um ano? E quando foi que ela começou a usar salto alto? Até onde eu sabia, ela não se incomodava em ser baixinha. A única coisa que não mudou foi o perfume. Só isso.

Deus do céu, ela tá me assustando com tanta mudança. Se eu sair correndo agora ainda dá tempo de dizer que tava tendo uma crise alérgica ao camarão.

Entre o 5º ou 6º saquê eu pedi a conta que ela não discutiu sobre rachar ou sobre quem deveria pagar. Ela nunca deixava eu pagar a conta inteira e eu sempre pedia pra fazer isso. Mas ela nem falou nada agora.

Perguntei se ela queria ver o luar no pier. Ela aceitou. Sempre fazíamos isso.


Tinha pensado em fazer uma noite diferente. Mas tive medo. Depois de vê-la tão mudada resolvi não revolucionar muito. Tinha que reconhecer alguma coisa nossa já que eu não reconhecia quase mais nada.

Ela não usava mais lente. Mas mesmo assim a lua refletiu nos seus olhos. E eu pude enxergar por um momento, em algum lugar ali, a minha menina, mesmo que num corpo de mulher.

Não consegui evitar e lhe roubei um beijo. Ela ficou furiosa e tentou me afastar. Mas eu não podia deixar aquele desejo pra lá. Então eu a beijei com toda a vontade que eu fiquei acumulando nos últimos meses.

Ela disse que eu não podia fazer aquilo. Que quando enfim ela tava conseguindo colar os caquinhos do seu coração eu não tinha o direito de estragar tudo, confundido a cabeça dela. E não tinha.

Depois de muita conversa, ela não relutou mais. E aceitou sem protesto mais um beijo.

Saímos dali e dormimos juntos no apartamento dela.

Ela estava tão linda, tão maravilhosa e tão perfeita que eu prendi o choro quando ela me abraçou pra dormir. E essa noite eu não dormi.

Fiquei olhando seus olhos cerrados e sua expressão de quem sonhava tão serenamente.


Antes das seis, eu me levantei com cuidado pra não acordá-la. Tomei banho, me vesti, e saí.

Na cabeceira da sua cama, deixei um bilhete: "Perdão. Você sempre foi o amor da minha vida. Mas não podemos mais ficar juntos. Porque você tem um mundo todo pra conquistar e eu não consigo nem sair do meu lugar pra te acompanhar. Te amo pra sempre. Espero que seja muito feliz com alguém que realmente te mereça."


Eu simplesmente não podia estragar a vida dela de novo. Deixei a minha borboletinha voar sozinha. Livre pra encantar outros jardins.

sábado, 21 de março de 2009

Só mais cinco minutinhos...

Pessoas falam muito. Meu professor de antropologia diz que a linguagem é a riqueza mais importante na cultura de uma sociedade. O fato é que pessoas falam muito. As vezes demais!

Eu falo muito. Freud, incorporado na minha professora de Psicologia forense, diz que eu talvez tenha me fixado na fase oral. Sim, aquela história que ninguém entende de que o bebê já tem prazer desde a amamentação. E ela também disse que pessoas fixadas na fase oral utilizam muito a boca. Mastigam coisas o tempo todo. Chicletes, tampas de caneta, canudinhos. Comem na hora do nervosismo, falam muito. Levam tudo à boca. Ok, sem piadinhas! Acho que eu realmente me fixei na fase oral que o Sigmund Freud inventou.

Mas as vezes eu gosto de ficar calada e barulho excessivo me irrita nessas horas. Isso é notório quando eu acordo. Preciso de 30 minutos pra entender e aceitar que eu estou acordada. E realmente, não adianta. Eu não falo com ninguém nesse lapso tempo. Mas eu não consigo entender que mesmo morando há 20 anos comigo, a minha mãe ainda insista em tentar manter um diálogo comigo nessa meia hora. É muita perseverança numa pessoa só.

Eu to lá, aninhada nas minhas cobertas, são 7h da manhã. Deus do céu, eu fui dormir às 4h, 5h e ela abre a minha porta pior do que um furacão, vai fazendo barulho, mexendo nas coisas. Incrível que ela adora minhas maquiagens. Eu já perdi a conta de quantos estojos, delineadores, blushs, sombras e batons eu já comprei pra ela só pra evitar isso. Mas ela insiste em abrir a minha porta no amanhecer sempre em busca de uma tal cor de que ela nunca acha nas maquiagens dela. Isso quando ela não faz pior: Quer uma sandália, um sapato, que geralmente está em uma caixa que ela vai passar um tempão procurando e isso vai ser repleto de barulhos e reclamações enquanto ela não acha. Aí ela martiriza ainda mais. Resolve calçar a sandália ali mesmo e ver se combina com o resto da roupa. E usa meu espelho e se maqueia ali mesmo. Diz que a luz é melhor do que a do banheiro. Tá, eu me mudo. Vou dormir no banheiro, então! Vou ter sossego lá? Pode ficar com meu quarto e usá-lo como closet! E quando eu acho que tá tudo resolvido, ela me pergunta se tá bom. Eu de olhos cerrados só resmungo “Umhum”. E aí ela começa a falar sobre alguma coisa que ela esqueceu de contar no jantar da noite anterior. E me dá as ordens do dia. Cuidar da casa, limpar, cozinhar, buscar alguma coisa, ligar pra não sei quem. Eu já tentei, coloquei um caderninho na mesa da sala. Ela podia usá-lo. Assim como colocar as maquiagens e os sapatos no armário do banheiro. Não deu certo, é claro. As poucos tudo foi voltando aos meus aposentos. Murphy me ama. Sem dúvidas!

Ok, eu consigo. Eu fui socializada. Eu não vou mandar a minha mãe à merda, por mais que ela esteja me enchendo o saco, junto com o sol que se espreme pelas lâminas da minha persiana que ela abriu quando entrou no meu quarto. E a TV também já foi ligada. O repórter tá lá falando sobre as notícias trágicas da noite anterior. Graças a Deus, ela saiu. Beleza, eu vou dormir! Começo a sentir uma paz... Pronto. Ela tá gritando pra vizinha do outro lado da alameda. O bebê dela é lindo. E ele tá começando a falar. Menino, cala a boca! Quando tu crescer vais sentir falta de ficar de bico calado.

E mamãe tá lá aos berros “Oi meu amor, bom diiiiiia!” “Lindo! Como você tá? Dormiu bem?”. Com certeza ele dormiu. Eu é que não dormi! “Olha ele tá aprendendo a dizer tia Sandra. É sou eu, a tia Sandra. Titiiiiaaaaaa Saaaaandraaaaa. Que lindo!”. É mãe, daqui a pouco ele já tá até dando palestra de desenvolvimento infantil!

Aí ela começa a conversar com o meu pai. Mas eles não conversam. Eles berram! Deus amado, e como berram! Mamãe é filha de uma espanhola e papai de uma portuguesa. Mas eu posso jurar de pé junto que eles na verdade tem descendência italiana! Ô gente pra falar alto o tempo todo!

Oi, dá licença, eu posso dormir só mais um pouquinho?

Não! Cristo amado, lá vem ela de volta. Agora ela pegou um perfume meu que ela adora! Eu gostava dele, mas já dei pra ela. E ela ainda deixa no meu quarto. Assim como o bendito perfume que eu dei no Natal depois de muitas reclamações e que eu dei meus preciosos R$200 na esperança desse dinheiro comprar a minha tranqüilidade matinal. Ledo engano. Porque ela não leva os perfumes pro banheiro? Pro quarto dela? Porque, meu Deus? Por anos eu agradeci por não ter irmãos e ter que dividir meu quarto com alguém. Mas crescer e começar a dividir as coisas com a mãe, eu acho que é pior. Pelo menos se fosse uma irmã eu podia mandar à merda. Mas é a minha mãe, caceta! O que eu faço? Enfio a cabeça embaixo do travesseiro. É uma forma mais segura.

E aí depois que ela já fez tudo isso, falou que nem uma matraca e eu só fiz “Umhum” pra todas as respostas sejam negativas ou positivas, ela me dá um beijo e me deseja bom dia.

Ah não. Espera. Antes disso eu já ouvi um discurso de uma hora sobre eu ser muito mal-humorada. Culpe a TPM, culpe a insônia, culpe os professores de antropologia e psicologia, assuma a sua culpa também. Eu já pedi, já implorei, já avisei. Meia hora. Só isso! Depois dos benditos 30 minutos, tudo é mais seguro. Juro!

Mas o fato é que quando ela não me dá um beijo, eu sinto falta. Fazer o quê. Mãe é mãe. Ela me deu cromossomos, leite, comida, carinho, remédio, apoio. É mãe, afinal. E com tudo, eu já me acostumei com ela e me acostumei a amá-la mesmo ela dando uma de Regina Volpato no meu quarto de manhã.

E então nada mais me resta. Tenho de levantar da cama e encarar o chuveiro. E lá vou eu, com a cara inchada, me entupir de café pra estudar um monte de coisas pra falar. Por quê? Porque o poder de uma advogada está na sua argumentação, na sua retórica, na sua oratória. Ou seja, eu serei paga pra falar que nem uma matraca. É mãe, obrigada pela carga genética, nessa hora!

Pessoas falam demais. O Freud fala demais. Minha mãe fala demais.Minha família fala demais. Meus professores falam demais. Eu falo demais. O repórter fala demais. Meus vizinhos falam demais. E eu só queria dormir.

Porra Sigmund, não Freud, doido!

domingo, 8 de março de 2009

Mulher, cobre os peitos e mostra a tua capacidade!

Reza a lenda que o dia da Mulher foi instituído em homenagem à trabalhadoras queimadas vivas num galpão de uma fábrica durante uma greve. Elas apenas estavam exercendo um direito seu. Inerente à sua condição de trabalhadoras. E ainda há energúmenos que dizem que mulher é sexo frágil!
Ah sim, claro... Mas me diz que tal de sexo frágil é esse que agüenta uma cera quente arrancando os pelos de uma área super sensível, todos de uma só vez?
Somos um sexo muito forte. A gente se ferra com escoliose por causa do salto alto, trombose por causa do uso do anticoncepcional com cigarro, insônia pelo consumo excessivo de cafeína pra dar conta de todas as tarefas que muitas das vezes contam com o trabalho dentro e fora de casa.
Fazemos banho de lua, coloração, alisamento e outras químicas com produtos que às vezes passamos mais de 6h sentadas numa cadeira de salão sentindo o fedor de amônia. E amônia fede muito! Fazemos até depilação perianal no dia da noiva (e eu nem vou tecer mais comentários sobre isso).
Vivemos bonitas e impecáveis porque mulher relaxada ninguém dá crédito.
Passamos a vida toda após os 12 anos sangrando e sentindo dor todo mês. E NÃO morremos. Aliás, as mais guerreiras como eu, encaram até um julgamento de quase 6h, um dia inteiro de trabalho no escritório e faxina da casa, sentindo que está parindo um alien lentamente.
E eu já comentei sobre as benditas espinhas que aparecem nos 5 dias antes disso? Elas acabam com qualquer festa e dependendo do nível de poder de erupção do vulcão que cresce no meio da tua cara, nem maquiagem resolve, aliás, só evidencia mais o problema.
E por falar em festa. A Lei de Murphy se faz presente em muitas delas. O vestido é lindo, impecável. Mas é fato, a lei de Murphy impera e aí, a calcinha vai marcar. E fica o dilema entre ir com ou sem. Sim porque se usar com todo mundo vai ver o movimento de sobe-e-desce da sua bunda. E se não usar, é mais fácil as pessoas ficarem se perguntado se a calcinha está lá ou não. Homens, acreditem, não é como não usar cueca. Pelo menos, por experiência própria, eu não senti toda essa liberdade, não. Sem contar o medo do vento ou de cair no chão. Deus me livre!!! Aí você decide por uma calcinha fio dental. Ótimo, problema resolvido! Ela não marca sob o vestido. Ok, 5 minutos depois a constatação: Aquela merda incomoda pra cacete!!!
Mas vale tudo pra ficar bonita. Então você se submete a um fio ficar assando suas partes íntimas.
E por falar em esforço, quem já casou e quem tá intimamente ligada ao universo das noivas por causa de trabalho, como eu, sabe o esforço que é os 8 meses que antecedem o enlace. São regimes durante meses pra entrar e permanecer no vestido. E o casamento dura só uma noite. Por que não podemos ser como os orientais e comemorar por longos dias? Pelo menos valeria à pena as milhares de salada ingeridas!
E aí o casamento acontece. Acabou o os esforços? Não! Se antes você chegava em casa do trabalho, faculdade ou balada e podia ir dormir com fome por causa da preguiça e do cansaço que imperava, isso já era. A não ser que você mande seu marido ir se virar e com isso perder o casamento ou mandá-lo comer no fast food mais próximo e ter de ver o príncipe virar um sapo, você vai ter que ir até o fogão e preparar alguma coisa. E que seja uma comida boa, bem palatável. Do contrário você ouvirá que é preguiçosa, desleixada e que a "mamãezinha" é que fazia comida boa. Se controle. Por mais que a vontade seja de colocar veneno de rato no suco de maracujá fingindo que são os resíduos da semente, se controle! Não vale à pena. Ganha-se mais com o divórcio. Vai por mim. Eu sou civilista!
E aí aturamos a bendita escoliose de novo quando decidimos perpetuar a espécie. Os enjôos, as tonturas, os vômitos, as roupas que não servem mais, as roupas novas que só vendem nas lojas especializadas que por sua vez vivem lotadas de grávidas estressadas com seus filhos pentelhos, os desejos estranhos e ao fim das 40 semanas, a dor do parto que não chega nem aos pés de um chute no saco!
E sabe o que é pior? Você olha pras grávidas estressadas com seus filhos pentelhos e sabe que aquele é seu futuro próximo se você não optar pela laqueadura depois do seu primeiro filho.
E mais dores vêm quando eles nascem. Afinal de contas, alguém enfiou uma faca na sua barriga e no seu útero pra tirar a criança de lá e depois costurou isso. E você anda igual a um robô nos dias seguintes. E a amamentação? Eu não sei, mas uma amiga da qual eu acompanhei a gravidez de perto, me disse que dói muito. Eu devo imaginar que sim, afinal a pele rachou e tá em carne viva. Deus do céu, só de imaginar preciso de um analgésico!
Mas ininteligivelmente há aquelas que decidem passar por isso de novo! “Alôôô Bento XVI, temos uma canonização a ser feita aqui!!!”
Daí, eles crescem. E a barriga do marido também, na maioria das vezes. E proporcional a tudo isso, a sua jornada de trabalho diária. O seu chefe não tá nem aí se você divide seu dia entre marido, filhos, casa, trabalho e estudo (Sim porque a gente faz pós, mestrado, doutorado pra ganhar mais dinheiro pra ver se sobra um pouquinho pra comprar uma bolsa nova ou pintar o cabelo, pelo menos.). Não importa o que você faz fora do trabalho, importa que lá dentro você tem de dar contar do seu serviço, com ou sem TPM. E aí quando você reclama da sobrecarga de afazeres, ouve com uma certa ironia que nós sempre lutamos pelos direitos iguais e que o seu colega tem o mesmo trabalho e uma família pra sustentar. "Merdaaa, pega essa desgraçada que queimou o sutiã! Vaca nojenta, frustrada e mal-amada!"
Ok, mas ele tem uma mulher como eu que faz tudo pra ele dentro de casa.
Você dá uma rebanada e volta ao seu trabalho. Não esqueçamos que nessa hora o seu pé tá latejando dentro do sapato de bico fino e salto alto, mas um sapato lindo de morrer. Ou se por uma felicidade do destino, você pode trabalhar vestida mais confortavelmente, ainda assim, suas pernas estarão inchadas. E isso é por causa dos malditos hormônios. A gente retém líquido com mais facilidade. E muitas das vezes os ignorantes saem com aquela: "Tá gordinha, hein? Tá na hora de fazer um regime, uma academia"
"Pô, se eu tivesse tempo e dinheiro sobrando eu fazia uma drenagem linfática pra te mostrar quem é a gordinha, cacete! E se eu estiver acima do peso, vai fazer o que? Me espancar?"
Mas é porque eles não sabem o que é a felicidade de comer um chocolate no ápice do seu estresse.
E você pega o carro no fim do expediente. Mas se lembra que a Lei de Murphy acompanha você? Pois é. Por um complô do universo, durante o seu trajeto urbano algo se coloca na frente do seu veículo. Algo ou alguém. Se tudo der certo, apesar dos pesares, só cortes e escoriações ou somente danos aos veículos. E claro, tirar dinheiro da poupança que você tava fazendo pra ir passar um mês viajando pra pagar o seu e o prejuízo do outro!
Quando você desce do carro pra avaliar a real situação, o que você ouve? Não, não é o Frank Sinatra cantando "Can’t take my eyes off you"! É um ignorante análogo ao que falou das gordurinhas falando a clássica: "Tinha que ser mulher". Certo, você tenta se controlar e não deixar aflorar novamente o seu instinto homicida. E tenta conversar com o indivíduo. Mas ele pra piorar a situação solta: "Devia era tá pilotando o fogão de casa. Depois que ganharam direito a estudar e votar querem achar que podem pensar e fazer de tudo.". Tá, agora eu te apóio, enfia uma tapa bem no meio das fuças do idiota. Se a mãe dele não o fez, você faz.
E aí você é taxada de barraqueira, louca, descontrolada.
Com tudo resolvido, você chega em casa, pensando que seu dia cão acabou e já vai abrindo o armário pra pegar um calmante que te dará uma linda e maravilhosa noite de sono. Quando você vê, lá... Bem no cantinho da sala, perto da TV. Uma barata! E o seu marido tá assistindo o futebol. Você pede educadamente pra ele tirar aquele monstro que invade a tranqüilidade do seu lar, mas o drible do Ronaldinho é mais hipnotizante que as técnicas clínicas do finado Freud. Você mesma vai, reunindo toda a coragem do mundo e tasca uma sandália nela. Ok, você acabou de manchar o seu tapete com os restos mortais do inseto. E lá vai você limpar tudo. Intervalo do futebol. Você já fez o jantar, já lavou uma roupa, já lavou a louça, já arrumou a sala, já viu se o filho fez a lição e só tem uma hora que você chegou em casa. Nesse mesmo tempo, o seu marido só bebeu duas cervejas e petiscou alguma coisa largado no sofá.
E aí você entra no banheiro pra tomar um banho relaxante. Cadê a luz? A lâmpada queimou! Ótimo! "Deus, tem um raio aí em cima pra cair na minha cabeça?"
Você pede pro seu querido esposo ir contornar a situação. Mesmo que nada. E aí você lembra do tapete ainda molhado e cheirando à sabão.
Janta com sua família, lava a louça, arruma tudo, põe o filho pra dormir e vai deitar.
Ele tá lá, roncando. E ele já foi o príncipe encantado dos seus sonhos. Mas lá ele tinha menos barriga, mais cabelo, mais músculo, mais dinheiro e claro, não roncava e nem soltava gases!
E aí depois dessa via crucis você repousa a cabeça e descansa pensando porque só um dia pra você ser homenageada? E os outros 364?
Mas acima de tudo, você se sente feliz. Feliz, porque de uma forma ou outra você se realizou, mesmo que um pouquinho. Seus filhos são lindos. Seu marido é companheiro. E você não tem mais 5 anos de idade. Apesar de a brincadeira de casinha agora ser de verdade, veja pelo lado bom... Você pode ir pra festa e usar maquiagem e sutiã sem sua mãe lhe repreendendo!

O fato é que na verdade, todo dia é dia da mulher, todo santo dia, elas lutam pra ter seus direitos resguardados e acabar de vez com o estereótipo mal interpretado de que mulher é "sexo frágil". A mulher que é mãe, filha, irmã, sogra, cunhada, amiga, prima... Ou tudo isso ao mesmo tempo, porque se tem uma coisa que mulher sabe ser muito bem, é versátil. Afinal, aliar casa, trabalho, filhos e TPM, é motivo pra beatificação!
Parabéns às mulheres guerreiras, sonhadoras, protetoras, apaixonadas por um amor verdadeiro, pela vida, pelo trabalho, pela família, por algum cretino...
Enfim, parabéns para esses seres que sabem muito bem as dores e as cores de serem fêmeas, mulheres, divas, rainhas... cromossomos XX!
Afinal, homem que diz que mulher é frouxa e cheia de frescura devia era depilar virilha, cuidar das crianças, ter cólica, TPM e andar de salto... Queria ver qual seria a frescura, então!

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Você já comeu jabuticabas?

Eu nunca tinha visto uma jabuticaba antes. Pensava que elas eram iguais ameixas. Mas parecem mais com as uvas. Como disse minha mãe, elas devem ser primas. (ok, eu não achei graça na piadinha por esse papo de primos e mamãe continuou a empurrar o carrinho do supermercado)

Eu odeio fazer supermercado. Mas também adoro. Sim, quem me conhece, e sabe desse meu jeito bipolar de ser, entende isso perfeitamente. Que eu posso amar e odiar a mesma coisa ao mesmo tempo! Rá!

Eu odeio as filas do supermercado. Desde a fila do balcão de frios, passando pela fila da panificadora, até a fila do caixa pra pagar as compras. Mas fazer supermercado é interessante. Você pode achar coisas legais. Desde uma pessoa interessante, até sei lá.. Jabuticabas, por exemplo!

Não encontrei ninguém interessante. Também com minha mãe do lado, estressada e extremamente apressada procurando creme de leite, frango defumado e couves verdinhas, não tinha nem como.

Mas hoje me aconteceu algo legal, sabe? Eu sinto que as vezes eu tenho muito medo do novo. Como hoje, eu pensei em nem provar as jabuticabas por medo de não gostar. Elas estavam lá, roxinhas, brilhosinhas, apetitosas e delicadamente colocadas umas ao lado das outras, numa bandejinha. Eu olhei e pensei: “Vou levar pra provar”. Quando ia me virando pra colocar no carrinho, mamãe me perguntou o que era e eu respondi com naturalidade: “Jabuticabas”. E ela me indagou: “Já comestes jabuticabas?”. Respondi com mais naturalidade ainda: “Não. Nunca comi."

Mas... Pára tudooo!!! Eu nunca comi jabuticaba!


Pronto! Um diálogo curto sobre uma dezena de frutinhas roxinhas me fez pensar um monte de coisas. Eu tive medo de não gostar das jabuticabas e olhando pra bandejinha como se o mundo todo parasse ante a minha crise existencial "jabuticabícia", eu me fiz algumas perguntas. E se forem azedas? Amargas? E se eu não gostar? Será que eu posso comer? Será que não vai aumentar muito a minha glicemia?

“Ei mãe, volta aqui... E tu? Tu já comeu jabuticaba?”. Ela disse que não e aí eu me senti perdida. Todo filho parte do pressuposto que deve confiar na experiência de seus genitores pra construir 50 % da sua experiência de vida. O resto a gente aprende com a gente mesmo. Mas a minha mãe nunca comeu jabuticabas! Meu Deus e se eu não gostar da bendita fruta! Vou estragar dinheiro e desperdiçar um alimento! Um pecado, no mínimo! Ah mas o papai deve ter comido jabuticabas e se eu não gostar ele come, ué! Simples! Eu sou um gênio.
“Alô, pai? Oi pai! Olha só, tu já comeu jabuticabas?”. “Não é aquele negócio que parece um pêssego roxo?”. “Não pai, aquilo é ameixa!”. “Ah, então não sei o que é!”

Putz! Me senti desolada! E agora? Comer ou não comer jabuticabas? Eis a questão!

Celular de novo. “Alô, mano!?” “O que é que tu já queres me perturbar?” (meu irmão é muito educado!). “Tu já comeu jabuticaba? É bom?”. “O que é jabuticaba?”. “Uma fruta! Parece uma uva”. “Não, nunca! Tu sabes que eu nem gosto muito dessas coisas naturebas”

Ok, meu irmão era a pessoa errada. Ele nem faz o tipo “saúde”. A criatura tem como prato preferido, arroz, farofa, rosbife, batata frita e meio kg de maionese!

Olhei pras jabuticabas com uma cara de desespero. Elas olharam pra mim e aí eu fiquei pensando...

O que mais tem por aí é gente reclamando que não consegue ser feliz. Que não entende como não consegue ser plenamente feliz.
Ora, me sinto uma criança de cinco anos de idade respondendo uma pergunta óbvia, na minha opinião. Não consegue ser feliz, porque não se permite ser feliz.

Tá, quando eu falo isso sempre sei que vai chover comentários do tipo “É claro que eu me permito ser feliz!!”

É? Então diz aí. Por quantas vezes, você deixou de tomar banho na chuva por medo de pegar um resfriado? Por quantas vezes disse: Ah, eu não vou passar o fim de semana no interior onde nem energia elétrica tem! (Mas tem o ar puro, livre de tanto poluentes que a selva de pedra produz). E quando se deparou numa encruzilhada e teve que escolher entre o caminho A e caminho B, escolheu o B e depois ficou resmungando como seria o A ao invés de aproveitar as coisas boas que encontrou no B? Hein? Duvido se por muitas vezes, não ficou olhando crianças brincarem tão alegremente e teve vontade de participar da brincadeira, mas não foi. Não foi porque, se julga velho demais, inteligente demais, compromissado demais, ridículo demais a ponto de pegar uma boneca e fingir que está alimentando-a.
Certamente, que por várias noites, recostou a cabeça no travesseiro e ficou pensando na falta de coragem de dizer a alguém que lhe amava, ou confidenciou que alguma coisa não estava bem. Isso se chama empurrar com a barriga.

A acomodação sem dúvidas é o principal obstáculo pra que se tenha dias verdadeiramente felizes. Todo mundo tem direito de surpreender, de ser surpreendido.
Quantas oportunidades a gente não perde só por pensar sempre no depois? O depois é uma incógnita.

O que importa é viver o agora, o presente. E que presente! Ontem já foi, não tem mais jeito. Pode chorar, se debater, espernear, surtar à La Amy Winehouse, mas já foi! Perdeu, playboy! Amanhã, iiih.. amanhã nem sei. Primeiro que não sei se vou estar aqui, ou aí, ou seja lá onde for. E nem sei se vou ser a mesma, integralmente. Ou se vou continuar seguindo a minha rotina. Aliás, eu nem sei se ainda vou ter uma rotina!

Portanto, eu ganhei um presentão de Deus! O HOJE!!! É no hoje que eu vou sonhar, que eu vou realizar meus sonhos, que eu vou chorar de alegria e de tristeza, que eu vou estudar, trabalhar, me estressar, ler, dormir, viver e amar. Sobretudo AMAR!

Não é porque eu não tenho mais um laço afetivo com alguém que eu vou deixar de viver e de amar. Tem um milhão de coisas pra amar. E eu amo a vida que eu tenho. Minha família, meus amigos, minha cadela, meus livros, meu conhecimento, meu mundo e a minha sobrinha!

E amo, muito, desesperadamente, inexoravelmente, incomensuravelmente... a minha vida! Com tudo que há nela. Com tudo que me transformou no que eu sou hoje. No hoje, no presente, no agora.
E esse é o meu presente. Continuar amando a minha vida.

Ah, e quanto as jabuticabas? Uma delícia! Doces, doces... Assim como o hoje. Um típico dia laranja! =D