domingo, 5 de abril de 2009

Fly, butterfly...

05:15h da manhã. Geralmente durmo a essa hora todos os dias. Olhei pro lado, vi que ela dormia profundamente. Era hora de sair dali antes de fazer mais besteiras.

Eu já tinha feito a minha parte. Agora ao acordar ela não choraria na minha frente. Já que ela nunca se sentiu confortável em fazer isso.


Sempre fui um cara meio complicado. As vezes eu queria, as vezes eu não queria.

Mas não dava pra prever. Nunca dava. Nem eu me previa. Mas ela sempre preveu...


Tinha tempos que eu não a via. Mas essa última semana, a saudade bateu. De uma forma inexplicável. Era uma saudade urgente. Eu precisava vê-la, conversar, beijar aquela boca que eu tava tão acostumado a beijar. E tentar consertar o meu erro.

Liguei pra ela numa quarta-feira. Tava assistindo um filme que ela adora. Liguei como quem não quer nada. Mas eu queria. Queria ela.


- Oi.

- E aí menina, como você tá? Te atrapalho ou podes falar?

- Não, tô só lendo umas coisas aqui de um processo. Trabalho.

- Sempre o trabalho, né?

- Dizem que ele dignifica o homem...

- Mas também cansa!


Ela riu. Eu adorava ver e ouvir esse riso. Nenhuma mulher tem um sorriso igual. É incrível.


- Eu tava assistindo O Melhor amigo da noiva. Lembrei de ti.

- Eu já vi esse filme 9 vezes!

- Não eram 5?

- Bom, a gente não se fala a algum tempo. Algumas coisas mudaram.

- Como o teu cabelo, né? Eu vi um dia desses que ele tá mais claro.

- Andou fuçando as fotos do meu orkut?

- Te vi atravessando a rua perto do parque.

- E porque não me chamou?

- Estavas acompanhada de um cara. Entrando no carro com ele. Não quis atrapalhar.

- Que isso! Era só um amigo do escritório.

- Não disse o que ele era, não precisa se justificar. Eu não tô tentando controlar tua vida.

- E e-eu também não disse que.. que estavas...


Eu senti um certo nervosismo na voz dela. Quando a gente namorava isso me deixava tranqüilo. Era sinal de que eu comandava a situação. Agora me apavora. Ela tem razão, não foi só o cabelo que mudou. Mudou o corpo, a voz, as atitudes. Ela mudou. Ela foi. Eu fiquei. Me sinto um nada quando eu percebo isso. Esse nervosismo, ela gagueja. Mas gagueja não porque ela tá nervosa em falar comigo sobre a vida dela. Mas porque ela quer esconder a verdade. Que ela tá melhor sem mim.

Nunca quis controlar sua vida. Mas fazia isso involuntariamente. A pressionei a continuar a faculdade que ela não gostava. Coagi a não jogar tudo por alto por causa do seu maior sonho. Eu fiz ela pintar o cabelo da cor que eu gostava e gostar das coisas que eu gostava. Ela não fez viagens por minha causa, nem novos amigos. Aliás, ela desfez algumas antigas amizades por minha culpa. Eu a fiz ser um clone meu. E ela foi. Mas o tempo passou e aquilo me cansou. Ela era muito eu. Eu precisava que ela fosse ela.


- Me desculpa. Olha... Eu só liguei porque pensei que a gente podia sair qualquer dia desses. Colocar o papo em dia...

- Não sei, eu ando muito cheia de trabalho e de estudo da pós. O escritório tá mais cheio de clientes a cada dia. Quase não tenho tempo livre!

- Que legal, amor...

- Oi?

- Digo, que legal, Anne! O escritório fazendo sucesso...

- Pois é...


Droga. Ela percebeu que eu tô tentando me aproximar. Maldito hábito. Ela costumava ser o meu amor. E eu era o amor dela. E agora? O que somos um para o outro?


- E então? Podemos jantar qualquer dia desses?

- Vou ver um dia livre, porque realmente ando muito atarefada.

- Qual é, Anne. É só um tempo pra um velho amigo!

- Tu não és meu amigo, e sabes disso.

- Ok, então um velho conhecido.

- Tudo bem. Acho que pode ser sexta, então. 20h?

- Por mim tá ótimo!

- Onde?

- Que tal comermos sushi? Tu adoras sushi...

- Tá. Tudo bem...


Na quarta mal dormi. Depois de desligar o telefone, abri a gaveta e tirei de dentro de uma caixa uma blusa dela. Ela nem lembra que essa blusa tá aqui. Guardei depois que a gente terminou. Pensei em jogar fora, devolver, mas deixei lá. O perfume dela também ficou aqui. Meio vidro. As vezes eu borrifo ele sobre um travesseiro e chego até a sonhar com ela. Na caixa eu também guardei um par de brincos que tinha dado de presente de namorados e que ela devolveu dizendo que por serem caros eu podia dar pra outra, um monte de bilhetes com declarações de amor que ela deixava na minha mesa, fotos nossas, e um chaveiro de uma girafa de pelúcia. Tudo isso me lembrava ela. Só ela. Era o único pedaço dela que ainda me fazia acessível. Porque quando ela partiu da minha vida, levou também o pedaço do seu coração que eu achava que tinha. E devolveu o pedaço do meu. Preferia que ela tivesse devolvido só os brincos.

Na quinta, não conseguia nem trabalhar direito. Ficava olhando a foto dela no meu celular. Só tínhamos 3 fotos nos beijando. Ela dizia que não fazia caso. Só tiramos essas porque em uma eu tirei de surpresa e nas outras duas, eu insisti muito.


Enfim, chegou a sexta.

Liguei mais cedo perguntando se poderia ir buscá-la em casa. Depois de muito insistir, ela aceitou. Cheguei as 20:25h. Liguei avisando que estava esperando na frente do prédio.

Ela desceu já reclamando do atraso e dizendo que eu não perdia o velho costume de me atrasar.

E tinha razão. Não eram só aqueles 25 minutos que eu me atrasei. Me atrasei os 5 anos que a gente passou junto. Me atrasei muito.


Fomos a um restaurante que sempre gostamos. Serviam um sushi que ela adorava e que eu aprendi a gostar.

O jantar foi bom, ela me contou casos engraçados e bizarros que aconteciam nas suas audiências. Me falou sobre os planos de prestar concursos, de cursar novos idiomas. Falou que terminava a pós em dois meses, que tinha se formado no espanhol e havia começado o francês e o italiano. Senti uma frustração que nem quis dizer que abandonei o inglês. Nós dois rindo como dois bons amigos.

Mas eu não conseguia parar de pensar em beijar aquela boca com batom vermelho. Aliás, porque ela usa batom vermelho agora? E que maquiagem escura é essa? Pelo que eu me lembre ela sempre usou maquiagem clara. E batom nem pensar. Só brilho labial.

Como ela tá linda. Tá sexy. Quando a gente namorava eu nunca gostei que ela parecesse sexy pra ninguém.

E esse vestido roxo e tomara-que-caia? Ela sempre usou vestido de mangas.

Argolas douradas? Desde quando ela usa argolas?

E porque o cabelo dela tá solto? Ela sempre prendia o cabelo. E pior que tá lindo, natural desse jeito. Ela não pinta nem faz mais chapinha! Como essa mulher pode ter mudado tanto em um ano? E quando foi que ela começou a usar salto alto? Até onde eu sabia, ela não se incomodava em ser baixinha. A única coisa que não mudou foi o perfume. Só isso.

Deus do céu, ela tá me assustando com tanta mudança. Se eu sair correndo agora ainda dá tempo de dizer que tava tendo uma crise alérgica ao camarão.

Entre o 5º ou 6º saquê eu pedi a conta que ela não discutiu sobre rachar ou sobre quem deveria pagar. Ela nunca deixava eu pagar a conta inteira e eu sempre pedia pra fazer isso. Mas ela nem falou nada agora.

Perguntei se ela queria ver o luar no pier. Ela aceitou. Sempre fazíamos isso.


Tinha pensado em fazer uma noite diferente. Mas tive medo. Depois de vê-la tão mudada resolvi não revolucionar muito. Tinha que reconhecer alguma coisa nossa já que eu não reconhecia quase mais nada.

Ela não usava mais lente. Mas mesmo assim a lua refletiu nos seus olhos. E eu pude enxergar por um momento, em algum lugar ali, a minha menina, mesmo que num corpo de mulher.

Não consegui evitar e lhe roubei um beijo. Ela ficou furiosa e tentou me afastar. Mas eu não podia deixar aquele desejo pra lá. Então eu a beijei com toda a vontade que eu fiquei acumulando nos últimos meses.

Ela disse que eu não podia fazer aquilo. Que quando enfim ela tava conseguindo colar os caquinhos do seu coração eu não tinha o direito de estragar tudo, confundido a cabeça dela. E não tinha.

Depois de muita conversa, ela não relutou mais. E aceitou sem protesto mais um beijo.

Saímos dali e dormimos juntos no apartamento dela.

Ela estava tão linda, tão maravilhosa e tão perfeita que eu prendi o choro quando ela me abraçou pra dormir. E essa noite eu não dormi.

Fiquei olhando seus olhos cerrados e sua expressão de quem sonhava tão serenamente.


Antes das seis, eu me levantei com cuidado pra não acordá-la. Tomei banho, me vesti, e saí.

Na cabeceira da sua cama, deixei um bilhete: "Perdão. Você sempre foi o amor da minha vida. Mas não podemos mais ficar juntos. Porque você tem um mundo todo pra conquistar e eu não consigo nem sair do meu lugar pra te acompanhar. Te amo pra sempre. Espero que seja muito feliz com alguém que realmente te mereça."


Eu simplesmente não podia estragar a vida dela de novo. Deixei a minha borboletinha voar sozinha. Livre pra encantar outros jardins.