sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Quanto mais eu preciso lembrar até que eu consiga esquecer?

Sou cinéfila e sempre fui uma pessoa solitária. O combo filha única+antissocial+nerdice garantiu isso. Então a maior parte do meu tempo livre eu aproveitava pra ler e pra assistir filmes. São coisas que gosto e que de certa forma me fazem a companhia física da qual eu não disponho. Eu acho que eu me acostumei a ser só. Tanto é que quando eu arranjo uma companhia, se ela fica muito presente, os pólos se invertem e de alguma forma o universo conspira, ou talvez eu me auto sabote e aí volto a ser sozinha novamente. Namoros enchem o saco, terapeutas enchem o saco, amizades enchem o saco. Qualquer pessoa que se atreva a passar a linha de segurança máxima da minha privacidade, enche o saco.

E aí eu corro e me escondo num lugar da minha mente onde só eu tenho acesso. Fico toda encolhidinha dentro de uma caixa de sentimentos. Eu sempre fui assim. Poucos amigos, muitos segredos quando se tratava dos meus sentimentos, muitos sonhos não compartilhados, muitas opiniões escondidas. Muitos gritos abafados. Nenhuma lágrima de medo na frente de ninguém. Se tem um sentimento que eu realmente escondo é o meu medo. Tenho medos incontáveis. Fundamentados nas mais diversas razões. Mas sempre finjo uma pose de durona e não deixo ninguém saber deles. Talvez seja esse meu maior problema nas terapias desde criança. Eu não conto os meus medos. Meus traumas me causam medo. E eu não falo dos meus traumas.
Freud ensina que nosso aparelho psíquico suprime todas as experiências que nos causam dor e o consequente abalo de nossa integridade psicológica. Nossa mente cria mecanismos de defesa que nos retiram da realidade dolorosa em que nos encontramos. Devo ter traumas escondidos na minha mente. Coisas que foram involuntariamente enviadas ao meu inconsciente. No entanto, ainda me restam traumas que eu gostaria que tivessem tido o mesmo destino. A mente é vasta e foge de qualquer entendimento humano. Desde os bilhões de neurônios aos milhares de processos cognitivos. Então por que somos capazes de esquecer certas coisas e em contrapartida precisamos nos lembrar constamente de outras?
Certamente que tenho problema de memória. E quando digo problema de memória não é porque ela está falhando e me fazendo esquecer as coisas. Não. Muito pelo contrário, o problema da minha memória é que ela é uma garota muito sapeca e fica me fazendo lembrar o tempo todo daquilo que eu preciso esquecer. Ou que pelo menos me obriguei a esquecer.

Dia desses acatei a indicação de um amigo e assisti o filme "O brilho eterno de uma mente sem lembranças" e comecei a refletir sobre ele. Quantas vezes eu não quis a melhor solução pra esse meu problema de memória... E a solução que o filme apresenta é mais fácil, mais prática e mais confortável.
Depois que uma relação termina, há dor para as duas partes. No entanto, uma sempre sente mais que a outra. Uma parte supera e segue em frente. A outra parte que fica com todo o sentimento acumulado esperando pra ser gasto finca o pé no terreno do abandono e se afunda num processo sadomasoquista sentimental. A dor sempre vem acompanhada de vários estágios. Desde a negação até a barganha. Cada pessoa responde de uma forma, mas algo é sempre recorrente: A cara de idiota na frente do espelho, em meios aos vestígios do escape – geralmente alimentício, alcoólico ou qualquer forma bem pouco saudável – as lágrimas e o desleixo estético, se perguntando “Porquê?”
Eu juro que na hora em que a saudade sufoca, não cabe mais dentro de mim e resolve escorrer pelos olhos é quando eu mais queria poder deletar algumas coisas do sistema operacional da minha cabeça. É uma lixeira que nunca se esvazia e onde não existe obediência ao comando shift+del.
Queria eu poder enfiar numa caixa todos os objetos que me remetem à lembrança desse período, seus presentes e todos os objetos que me trazem suas lembranças à tona, dormir algumas horas e quando acordasse seria como se a sua presença na minha vida nunca tivesse existido. Como se nada tivesse acontecido.

Eu não teria me atrasado pra aula e não teria corrido pra subir por aquela escada naquele dia, nós não teríamos nos esbarrado, eu não faria amizade com nenhum de seus amigos, eu não teria lhe dado meu e-mail no laboratório pra gente conversar melhor, não teria contado nada dos meus medos, meus segredos ou meus sonhos. Nós não teríamos feito amizade. Não teria segurado sua mão nem teria sentido seu abraço enquanto meu pai estava à beira da morte. Eu nem teria aceitado sua presença nessa ocasião e muito menos teria chorado no seu colo. Eu não teria ninguém pra chamar de minha pessoa, ninguém pra rir junto das coisas que só eu acho graça. Eu não teria feito a viagem que colocou tudo a perder só porque eu achava que relações não funcionam à distância. Eu não teria sentido ciúmes nem teria me sentido ameaçada por uma pessoa que tem mais sorte do que eu por estar em sua companhia todos os dias. Não teria me cansado de ser só e implorado por sua companhia. Eu não teria criado um mundo só nosso, com costumes só nossos, onde éramos figuras heróicas e onde nos compreendíamos de forma completa reciprocamente e onde eu queria lhe salvar de todos os problemas do mundo só pra lhe fazer feliz. Eu jamais, teria tido alguém pra contar sobre os meus traumas, os meus medos e tudo aquilo que me incomodava. Não teria permitido que conhecesse o meu lado que eu nunca havia mostrado pra ninguém.
Eu não teria sido feliz com alguém por 3 anos sem precisar fingir ser quem eu não sou. Nada disso teria acontecido. Mas ainda assim, aceitaria apagar seus vestígios da minha memória pois apesar da importância das lembranças felizes esquecer é preciso depois do fim, já que tudo se torna tão dolorido.

E tudo que eu queria agora era esquecer que cada vez que penso em nós, sinto o pesar de toda uma vida que poderia ter sido e acabou não sendo.
Acho mesmo que Sou apenas uma garota complicada tentando encontrar paz de espírito. Então, por favor, em um dia frio venha correr numa linda praia comigo e me diga...

Tudo bem. Não há nada em você que eu não goste.




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